palavras chave: banda sonora: unidades semióticas temporais; modalidades musicais; símbolos, índices e ícones sonoros; "espaços" cinematográficos

Seguidores

terça-feira, 23 de setembro de 2008

A partir da Trilogia

Com este blog tento continuar a reflexão que comecei num trabalho realizado em torno da música/som em três filmes do realizador Gus Van Sant, conhecidos como “Trilogia da Morte”: Gerry, Elephant e Last Days. Nestes filmes considerei que a música - especialmente como veículo de significados - e os contextos visual e narrativo permitem-nos localizar um “espaço” ao qual ela própria (a música) fica associada. Assim, no que me pareceu uma exaustiva lista dos “espaços” oferecidos naquela Trilogia, temos momentos em que podemos dizer que: (1) a música é do foro psicológico/emocional da personagem – Espaço Interior; (2) a música se adequa à situação ou ao local – Espaço Exterior; (3) a música se relaciona com uma entidade divina ou forças sobrehumanas – Espaço Transcendente; (4) a música está acima da narração, criando uma superfície auditiva pura – Espaço Superfície. A esta separação em quatro espaços, acrescentei o “haver espaço” para que o tempo musical (mítico) se desenvolva (notoriamente, na Trilogia, pois Van Sant permite que obras musicais completas se oiçam).

Sabendo que não há grande novidade no afirmar, por exemplo, que a música espelha o interior da mente ou da alma do personagem (algo que as imagens não conseguem), pareceu-me que Van Sant, nos seus filmes, quer explicar como fazê-lo e clarificar que não será assim tão directa aquela associação, se não se recorrer aos meios necessários para tal. Não querendo aqui nomear estes meios e remetendo para aquele meu artigo (que em breve colocarei online) lanço o desafio de tentar encontrar um momento de um filme em que não tenhamos dúvida de que aquela música é o que se passa na mente do personagem.
Tentei uma primeira vez com o Psycho (versão de Van Sant, para estes efeitos exactamente igual à original de Hitchcock) porque facilmente encontramos escrito que o compositor Bernard Herrmann era mestre – o que não duvido – em acrescentar isto que as imagens não dizem: o interior dos personagens. Atrevo-me a dizer que nunca tal encontrei em Psycho (à luz da experiência de ter visto os 3 filmes de Van Sant). Se por momentos parece que um determinado plano sobre a personagem Marion Crane parece querer dizer que aquela música transmite a insegurança, o receio, a dúvida que se terá instalado no seu interior, logo uma mudança de plano – continuando a mesma música - nos parece dizer que afinal o que ouvimos tem um carácter premonitório, ao nível da narração que nos quer afectar como espectadores e esclarecer sobre o mundo que nos é dado a descobrir. Enquadro, assim, esta música para uma determinada situação, num “espaço exterior” ao personagem. Esta música, que respeita o universo visual criando um paralelismo sonoro é normalmente apelidada de música empática.
Lanço o repto de que me digam: acham que ela (a música empática) está normalmente associada a um espaço exterior ou conseguem referir exemplos de filmes onde percebemos outros espaços?

O desafio de continuar o estudo dos “espaços” fora da Trilogia mencionada instalou-se naturalmente em mim quando vejo filmes e confesso que às vezes não ligo tanto ao desenrolar da história como a alguns processos técnicos (aqui alguns se lembrarão que também em música dificilmente sigo as letras das canções).
Aceito que facilmente tenhamos que reformular esta separação em quatro espaços. De facto, num filme que vi recentemente, de Francis Ford Coppola, Uma Segunda Juventude (Youth Without Youth, 2007) temos claramente um trabalho sonoro diferente quando estamos a ver sonhos: um “espaço onírico” a acrescentar à lista? Mesmo que possamos dizer que aqueles sonhos têm origem em forças não humanas ou que – penso que o mais comum em nós – os sonhos têm ligação com o que pensámos e vivemos no dia anterior (de alguma forma ligada ao nosso passado), o que nos manteria com os espaços transcendente e interior, parece muito clara a distinção, neste filme, entre onírico e vivido, respectivamente expressos na abordagem de Walter Murch (edição sonora) e Osvaldo Golijov (compositor).


Para terminar relembro que o principal motivo deste blog é perceber como a música (nos variadíssimos estilos que o cinema emprega, não discriminatoriamente) significa e, ao significar, como estimula a nossa percepção dos mencionados espaços interior, exterior, trasncendente, superfície,.... A minha grande vontade é que surjam muitas opiniões e muitas interpretações sobre o assunto, pois cada um de nós tem uma maneira própria de assimilar a arte, o cinema, e a música de cinema. O primeiro repto era então: conhecem exemplos de momentos em que a música explica o que está dentro do personagem? É música empática ou anempática (contrária ou indiferente ao que vemos)?



Trailers dos filmes mencionados:

(Trilogia da Morte)
http://www.elephantmovie.com/
http://www.lastdaysmovie.com/
http://movies.nytimes.com/movie/260308/Gerry/trailers

Psycho (remake de Van Sant)
http://movies.nytimes.com/movie/174140/Psycho/overview

Uma Segunda Juventude (Coppola)
http://www.apple.com/trailers/sony/youthwithoutyouth/

Milk (Van Sant)
http://www.apple.com/trailers/focus_features/milk/